C&T precisam de política de Estado - 02/12/2009
Fonte: SBPC
Para vencer os desafios da sustentabilidade ambiental, social e econômica, o Brasil precisará de uma contribuição vigorosa e constante da ciência e da tecnologia, mas para ter essa contribuição será necessário que as atividades de C&T sejam alvo de políticas de Estado, e não apenas de políticas de governo. O presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, defendeu essa proposta durante a 3ª Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação de Santa Catarina, realizada na cidade de Joaçaba na quinta e sexta-feira da semana passada.
Para Raupp, os investimentos públicos em ciência e tecnologia no Brasil estão sempre sujeitos a oscilações muito grandes, em razão de o setor ainda ser contemplado por políticas de governo - afetadas por mudanças nas alternâncias de poder, e não de Estado, o que garantia planejamento de longo prazo.
"Quando ocorre mudança de governo, muda também a política de C&T, com o consequente risco de redução ou de reorientação drástica dos investimentos", acentua o presidente da SBPC. "Para o bem de ciência e do país, esses investimentos têm que ser contínuos; e, para isso, precisamos fazer com que C&T sejam contempladas por políticas de Estado", defende.
A maneira de essa mudança acontecer, segundo Marco Antonio Raupp, é se promover uma grande articulação entre os vários níveis de governo (municipal, estadual e federal), em sintonia com a comunidade de ciência e tecnologia. "Como existe uma heterogeneidade nesses níveis de poder, as várias correntes políticas e do pensamento estarão, ao mesmo tempo, representadas na definição de uma política nacional de ciência e tecnologia e compromissadas com sua execução de maneira contínua, sem os altos e baixos que temos hoje".
Desafios - Na opinião do presidente da SBPC, a ciência e a tecnologia estão sob o paradigma da sustentabilidade ambiental, social e econômica, o que determina que a produção científica organizada não pode se basear somente nos valores culturais da própria ciência. A seu ver, a sociedade só vai concordar em financiar plenamente as atividades científicas se a ciência der uma contribuição efetiva para o Brasil enfrentar e superar os desafios da sustentabilidade.
Para tanto, Raupp considera que, além de elevar C&T ao patamar de política de Estado, há quatro outros aspectos em que os caminhos da sustentabilidade e da ciência e tecnologia se entrelaçam e exigem políticas públicas continuadas e vigorosas.
Um desses aspectos, que ele chama também de desafios, é a superação das desigualdades regionais nos investimentos e na construção de uma base para produção de C&T no país. "70% da ciência brasileira estão localizados na Região Sudeste", reclama Raupp. "Por razões estratégicas e de justiça federativa, é uma situação que não pode perdurar", diz ele ao enfatizar que os grandes e frágeis biomas, como a Amazônia e o Pantanal, estão nas regiões mais desfavorecidas. "É preciso de muita ciência para incorporar esses biomas no sistema produtivo, sem o risco de serem degradados ou destruídos", afirma.
Outro desafio apontado pelo presidente da SBPC é a necessidade de superar o fosso entre o conhecimento acadêmico e as atividades de inovação e agregação de tecnologia nas empresas. Para Raupp, isso tem a ver com a sustentabilidade econômica das empresas e sua capacidade de competir no mercado global, o que exige uma interação intensa e urgente entre as instituições de pesquisa e o ambiente empresarial.
O terceiro aspecto se refere ao déficit do ensino básico no Brasil. Raupp avalia que a educação básica é altamente deficiente e se ela atendia sofrivelmente aos requisitos da velha economia, não terá como promover o país à nova economia do planeta. Ele reconhece que nas décadas mais recentes houve esforços bem sucedidos para a universalização da educação básica, mas enfatiza que são necessários esforços para que esse nível de ensino tenha qualidade. "Estamos oferecendo escola, precisamos oferecer também educação", acentua. "A sustentabilidade social, ambiental e econômica exige cidadãos plenos, ou seja, indivíduos que tenham recebido uma educação de qualidade".
Por fim, o presidente da SBPC aponta a necessidade de o país estabelecer marcos legais apropriados às atividades de ciência e tecnologia. Ele cita a relação entre universidades públicas e empresas para mostrar que a legislação brasileira chega a atrapalhar a realização de projetos em conjunto.
"As universidades têm que ter capacidade de atuar no mesmo ritmo que as empresas atuam, mas a legislação que regula as relações entre órgãos públicos e órgãos privados não permite isso", observa Raupp. "Essa legislação foi feita para outras realidades, para outro tipo de relacionamento; foi feita para órgão público comprar bens que existem em prateleiras, mas as atividades científicas são para desenvolver bens ou serviços que evidentemente não são encontrados em prateleiras", compara.
Na opinião do presidente da SBPC, as atividades de C&T têm que ser objeto de uma legislação diferenciada e estimulante. Ele propõe que os controles e a fiscalização sobre as instituições públicas de pesquisa considerem os procedimentos básicos, mas com alguma liberdade para os gestores. "A legislação deve possibilitar, e não atrapalhar, que se chegue a resultados em prazos compatíveis com as características do projeto de pesquisa que estiver sendo realizado", propõe.
Conferência - A 3ª Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação de Santa Catarina, organizada pela a Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) e pela Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica (Fapesc), teve a participação de autoridades públicas, dirigentes e pesquisadores de universidades e centros de pesquisa de todo o Estado, representantes de órgãos governamentais e de instituições da sociedade civil e empresariais ligadas a CT&I.
O evento catarinense integra os preparativos para a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), que ocorrerá de 26 a 28 de maio de 2010, em Brasília.
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